segunda-feira, 25 de agosto de 2025

DOBRAR O JOELHO, HISTÓRICO.


 

“ Por isso Deus  o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho de quantos há no céu, na terra e nos abismos e toda língua proclame para glória de Deus Pai que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil.2,9). Nas literaturas apocalípticas antigas, Henoc e Moisés eram narrados como mensageiros de Deus, e são elevados até junto de Deus e recebem o nome do próprio Deus: são chamados com o nome de “senhor”. Henoc recebeu até todos os setenta nomes de Deus, e lhe foi dado o império, o poder sobre todas as criaturas. E o nome de Moisés era ”senhor de todos os profetas” (Schilleebeeckx, Jesus, a história de um Vivente, Paulus, 2014,p.492). Como vemos, para os judeus antigos era aceitável esta atribuição do próprio nome de Deus e “senhor” aos seus mensageiros antigos e não contradizia o pensamento estritamente monoteísta deles. “O nome de Deus, “o Senhor”, o “nome colocado acima de todo nome” também foi colocado em Jesus, e atribuído a ele como mensageiro enviado por Deus, e depois devolve tudo aos pés de Deus” (o.c.p.492). Em Deuteronômio está escrita a teoria sobre o profeta escatológico dos últimos dias: “Javé, teu Deus, fará surgir dentre teus irmãos um profeta como eu em teu meio, e vocês o ouvirão” (Dt.18,15). Na tradição antiga, Deus colocou, ou carimbou seu próprio nome nos seus mensageiros. Por isso colocou e carimbou a pessoa de Jesus com seu próprio nome. Que a Jesus era atribuído o nome de profeta dos últimos dias do Livro de Deuteronômio atesta-o o evangelho quando ele é chamado de profeta: “Um grande profeta surgiu entre nós” (Lc.7,16) e: “um dos antigos profetas” (Lc.9,19). Em cima desta missão como “profeta dos últimos tempos” se aumentaram todos os outros títulos e atributos dados a Jesus, e foi nesse status que se firmaram as credenciais de Deus para que fosse proclamado “Senhor”, “Guia” e “Salvador”, e “Kyrios”, como missões que eram credenciadas da parte do Pai. E como diante de Deus se dobrará todo joelho, igualmente diante do seu mensageiro Jesus Cristo. “Diante de mim se dobrará todo joelho, e jurará toda a língua” (Is.45,23), que depois foi traduzido livremente por Paulo quando escreveu: “Está escrito, por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho e toda língua dará glória a Deus” (Rom.14,11). Esta citação de Isaías Paulo copiou-a e colocou num contexto do julgamento de todos por Cristo como juiz. Isto esclarece a missão do profeta escatológico dos últimos tempos que também vinha com a missão de juiz: “Por isso é que  morreu e retornou à vida, para ser o “senhor” tanto dos mortos como dos vivos. Porque julgas então o teu irmão? Todos temos que comparecer perante o tribunal de Deus. Está escrito, por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho e toda língua dará glória a Deus. Assim, pois, cada um de vós dará contas de si mesmo a Deus” (Rom.14,11-14). Nesta página tivemos ocasião de ver a origem da expressão “dobrar o joelho”, e seu histórico. Qual o significado de “dobrar o joelho”? É expressão figurada para render-se, submeter-se ou humilhar-se. Na religião cristã, dobrar o joelho ou ajoelhar-se é um gesto de súplica, respeito e adoração. Uma cortesia ou reverência que é um tradicional gesto de saudação na qual alguém dobra seu joelho, ou curva a fronte. O gesto é caracterizado como uma tradicional saudação de um inferior para um superior, mormente aos reis e rainhas. Também acompanhado com a mão que se leva à boca, que em latim se diz “ad oris”, isto é, levar à boca, donde veio a palavra “a-dorar”.

Cnclusão. Palavras geram atitudes e atitudes são sempre relativas e culturais. A palavra “adorar” afinal vem de um gesto e de uma atitude: o joelho e a mão e a boca. (o beijo).

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O INÍCIO DO INÍCIO DO CASAMENRO


 

Convido você a brincar só um pouquinho com uma interpretação que supostamente terá sido atribuída a Jesus num dado momento. É quando o próprio Jesus teria dito: “Moisés permitiu despedir a mulher por causa da dureza do vosso coração; mas não foi assim desde o início” (Mt.19,7b). E “Nunca lestes  que o Criador  desde o início os fez homem e mulher; e disse: por isso o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne; portanto, o que Deus uniu, não separe o homem” (Mt.19,4-7). Vejamos: Havia cinco milhões de anos que haviam passado quando estas coisas foram escritas no livro do Gênesis. Já 5 milhões de anos que os homens e as mulheres se uniam, e não esperavam a ordem de Deus. E, onde se diz: “Não foi assim desde o inicio”: sabemos que desde o início foi pior porque ninguém sabe como foi, mas pouco diferente  dos animais. Eles não sabiam “quando” foi o “início”, nem “como” foi. Parece curioso notar isto, mas tem que se dizer: nem eles nem Jesus sabiam quando foi esse início. E nem eles nem Jesus sabiam da cosmologia de hoje, que diz que nós, os humanos, aparecemos por evolução, ou seja, eles estavam na cosmologia antiga do “criacionismo” que dizia que o homem tinha sido criado do pó da terra, ou com o sangue de algum deus, segundo o “mito” dos vizinhos dos judeus, ou com a água e o pó da terra segundo o “mito” dos judeus. E de quebra haveria só um casal. Enquanto que hoje temos a teoria científica da evolução do cosmo,  que diz que não foi só um homem e uma mulher que surgiram, mas um sem número de machos e fêmeas, o que levou o nome de poliformismo.  Chegando agora na pequenina tribo de Israel, na época de quando foi escrita esta narrativa, o que sabemos? Duas coisas: a primeira, que quando o homem queria abandonar a companheira, bastava que acordasse mal naquele dia achando que ela não estava bonita ou algum defeito na comida, então escrevia um papel, um “libelo”, lhe entregava, e a mandava para a casa da mãe. É donde vem a pergunta: “É permitido ao homem despedir a mulher por qualquer motivo?” Mt.19,3. Segundo: As famílias dos sumos sacerdotes tinham esquadrões de assassinos profissionais encarregados de invadir as casas dos camponeses para tirar até com ameaças de morte os dízimos e os impostos, e raptar esposas para eles trocarem ou ajuntarem às que já possuíam, como afirma Helmut Koester em História e cultura do cristianismo primitivo, pag. 192.                               Se era assim na época deles, imagine como devia ser naquele “início dos inícios”, em que os primeiros machos e fêmeas eram ainda meio animais e meio humanos. Em terceiro lugar, a ciência diz que entre o reino animal 25% por cento são híbridos, isto é, misturados num só animal os dois sexos. E ainda: em todas as culturas ancestrais dos seres humanos tem havido a mesma proporção da mesma hibridez. Percorrendo a história da Grécia e de Roma fica evidente essa narrativa. Então, o “mito” que Deus os formou “homem e mulher” estaria só na cabeça do redator, mas não estava escrito nem na criação seja da mãe natureza, seja do Pai-Deus criador.

P. Casimiro João        smbn       www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

PODER E LEI NA IGREJA.


 

Noutra pagina falei nesse tópico “poder e lei” mais que o reino de Deus, e isso fazia  parte da teologia tradicional do Antigo Testamento. E não só, também em datas mais recentes havia esse casamento do poder e da lei. Desde alguns anos que a Igreja vem tentando uma reviravolta dessas atitudes no passado, deixando para trás ligações, alianças e compromissos com o poder político. Sobrou no entanto o apego ao seu próprio poder “sagrado” tomando o lugar do outro poder temporal. Isto acontece quando o seu próprio poder é “sacralizado”, tornando-o igual ao antigo poder imperial, com a característica de que é “sagrado”, como vindo de Deus, enquanto não, o que vem de Deus é o “serviço” (Mc.10,45). Até porque, se o poder imperial era perigoso enquanto usando e sendo usado por forças humanas, este se torna ainda mais perigoso enquanto “poder sagrado” da Igreja, porque ganha todas as condições para um domínio mágico sobre o povo. Na verdade, a Psicologia diz que a religião é o que exerce a maior força psicológica sobre a humanidade. O concílio vaticano II foi o princípio de uma conversão, mas só o princípio. E tanto foi só o princípio, que logo ao nascer, surgiram forças ocultas dentro da própria Igreja para não deixar essa plantazinha crescer. O modelo de Igreja do concílio foi de uma Igreja que está no mundo a serviço do mundo, não mais para “dominar” o mundo. A visão de que a Lei e o Poder eram mais importantes que o Evangelho do Reino de Deus começava a ser diagnosticada como doença e começou a causar  incômodos  em muitos setores da Igreja. As elites econômicas e políticas do mundo rico e da Igreja tiveram um sobressalto e um susto. Porque o seu modelo de Igreja era claramente de cristandade articulado pela relação Igreja-Poder. E a espiritualidade era desligada da realidade. As primeiras reações começaram e aumentaram fomentadas por setores e movimentos tanto da Igreja como do poder temporal. Nos Estados Unidos instaurou-se um regime de domínio de toda a América Latina, com Herry Truman. Foi quando se formaram os dois blocos Rússia versus Estados Unidos. E aí, nos Estados Unidos estabeleceu-se esta bandeira e esta ideologia: “Tudo o que não for pela América é contra a América. Foi a chamada “Guerra Fria”. E tentou dividir o mundo nesses dois blocos, como se no mundo não houvesse mais ninguém. Esta era uma estratégia para dominar todas as nações da América do Sul. E com as Nações também a própria Igreja entrou na roda da ideologia dos Estados Unidos. Nascia assim o imperialismo moderno dos Estados  da América do Norte. O inicio do conflito “foi o discurso de Truman, em 1947, que deu origem às ditaduras da América Latina no Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Guatemala e Brasil. A implantação destas ditaduras militares estava diretamente associada com o cenário da Guerra Fria, começando com o discurso de Truman, enquanto que a Rússia não tinha feito nunca ameaça nenhuma a nenhum país” (Cf: Silva, Daniel http://brasilescola.uol.com.br/historiag/militar.htm). Tanto que este imperialismo dos USA conseguiu infiltrar-se na Igreja, que por três ocasiões aceitou receber políticos dos USA em Roma para conseguir as amizades do Vaticano. (Apud O.Culman) . E não só, mas conseguiram também colaboração e alianças com a Igreja em muitas nações da América do Sul. Veio desse movimento a mania de chamar comunista a quem não fosse abertamente a favor dos Estados Unidos. Isso aumentou na ditadura militar brasileira e depois da ditadura continuou essa mania ou melhor esse trauma, como um fermento e um veneno que contaminou a sociedade. Duas dimensões retornaram e renasceram numa espiritualidade doentia e até na formação do sacerdócio. As nações mais ricas começaram a dominar o mundo pelas redes sociais. Foi um poder global e digital dos Estados Unidos com o domínio dessas plataformas digitais. Eles tinham o máximo cuidado de levar as Igrejas nessa onda. Desse jeito fomentaram uma espiritualidade que servisse a sua ideologia e seu império. Assim eles promoveram um mercado de espiritualidade alienada e desencarnada, invadindo toda América do Sul com seus pastores bem alinhados ao regime e pagos com muitos dólares americanos. Por outro lado, os padres começaram sendo formados em uma concepção do sacerdócio como poder, e “poder sagrado” para dominar, tudo como reação ao concílio vaticano II. (Apud Pablo Richard – “Contexto Atual da Globalização,pg.49 e 55).

Conclusão. Enquanto que, como frutos do concílio, se fizeram na América Latina os Sínodos de Medellin e Puebla para aplicar os princípios do Vaticano II, em Roma não se davam conta das intenções dos USA que tentavam tomar terreno e afastar as Igrejas das práticas do concílio.  Deste modo, como anteriormente a Igreja se ligava aos poderes imperiais da Europa e do padroado, agora com uma nova fase de unir-se ao novo poder imperial da América do Norte.

P.Casimiro João                  smbn

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segunda-feira, 4 de agosto de 2025

A RESSURREIÇÃO SEGUNDO O MUNDO HELENÍSTICO E JUDAICO.

“A maior parte da Bíblia nega ou pelo menos ignora a possibilidade da uma vida futura, com apenas alguns poucos textos que se levantam fortemente com uma ideia diferente no período do Segundo Templo” (N.T.Wright, A ressurreição do filho de Deus, pag. 202). Afirmamos numa página anterior o seguinte, que pode-nos parecer estranho: “Se o mundo antigo não judaico tinha seu antigo testamento era Homero; e Platão era o novo testamento” (o.c.p.71)  Digamos que nesta teoria helenística de Homero, séc. VIII a.C. não havia ressurreição nem imortalidade, e nisto se assemelhavam à Bíblia do Antigo Testamento com Moisés, da mesma época  séc.VIII antes de Cristo. Porém, com Platão, séc. V a.C. se falava, em vez de ressurreição, em imortalidade: a alma deixava o corpo donde saía no momento da morte e retornava imortal e incorpórea para a estrela gêmea de onde se tinha originado. Os judeus, depois da era dos Macabeus, e com o livro de Daniel começaram a falar em ressurreição, pelo ano de 160 a.C., mas no sentido de “restauração”, não como conceito ontológico mas histórico. Porque não tinham em vista o estado do indivíduo depois da morte, mas a restauração da Nação como vingança sobre os povos que os tinham oprimido. Este conceito perpassa transversalmente todo o período seguinte e acompanha também o nascimento de primitivo cristianismo no Novo Testamento. O cerne do conceito de ressurreição começou por aí. E nos primeiros capítulos do livro dos Macabeus e do mesmo Daniel essa restauração começava pelos mártires assassinados pelo rei Antíoco como representantes da restauração de todo o Israel. Com Homero, mais ou menos da época de Moisés como dissemos, não havia vida nenhuma depois da morte. Foi preciso chegar a Platão e Epicteto para chegar ao conceito de  imortalidade da alma, que se desprendendo do corpo mortal voaria para a estrela da sua origem vivendo a imortalidade na ilha das bem-aventuranças e do gozo da companhia dos deuses. Os judeus eram também avessos a qualquer vida depois da morte, uma vez que não achavam nada a respeito no Pentateuco e nos Sábios, onde se dizia: “Os mortos apodrecerão para sempre como seu próprio destino” (Jó,20,7; Ec.12,7; Sl104,19). Este era o A.T. dos judeus, como o de Homero dos gregos. Uma novidade: Quando foi escrito o livro de Daniel é de todo provável que Daniel se pusesse em contato com a nova filosofia de Platão que estava entrando na cultura judaica, e, como num link descreveu: “ Os mortos ressuscitarão a um estado de glória no mundo, e terão a condição das estrelas, da lua e do sol dentro da ordem criada” o.c.p.180). Notemos que aqui permanece vivo o conceito de restauração e vingança, enquanto em Platão é conceito ontológico. Na verdade “toda a narrativa dos cap.2 e 4 de Macabeus, como afirma o autor citado é originária de Platão no helenismo” (p.178). A ressurreição tem a sua alma gêmea na esperança. Porém, qual era a esperança dos autores bíblicos? A esperança deles concentrava-se não no destino dos seres humanos após a morte mas no destino de Israel. A Nação e a terra do presente eram muito mais importantes do que aquilo que aconteceria com o indivíduo além túmulo. Até os tradutores gregos da Bíblia dos LXX, intencionalmente mudaram afirmações, como as de Jó, que havia a vida futura, no positivo, enquanto no original estava que não, Jó, 14,14 e 19,26 (cf.o.c.p.226). Por outro lado, o referencial do mundo judaico nos dias de Jesus e Paulo alinhava-se  com este mesmo imaginário e seguia os mesmos textos supracitados de Platão e Daniel e dos Macabeus como sendo as principais fontes para a sua crença geral da ressurreição” (o.c.p.174). E, queiramos ou não, essa era ainda a crença e o imaginário do primitivo cristianismo que ainda está vigorando no imaginário geral da cristandade de hoje. Por isso já foi dito noutra página que o nosso DNA de cristão é composto com os dna’s dos gregos, judeus, mesopotâmios e persas. O que falamos sobre o Novo Testamento está bem claro quando dois apóstolos pediram a Jesus para sentarem um do lado direito e outro do lado esquerdo quando chegasse o seu reinado.(Mc.10,1,37); E a na pergunta que não calava na boca dos apóstolos na hora da ascensão: “Mestre, é agora que vais instaurar o reino de Israel?” (At.1,6). Disse que a ressurreição, historicamente falando foi sempre um conceito mais político do que ontológico, ou seja a volta a uma nova vida individual, mas visava a nação como um todo. Numa dada época surgiu uma nova leitura da Bíblia que intrigou alguns pensadores mais independentes. Trata-se de nova visão da leitura do Gênesis. O livro da criação, o Gênesis, deu inspiração para os profetas Oseias e Jeremias, pois Javé criou os seres humanos soprando neles o seu próprio espírito e, quando ele o retoma para si novamente, eles novamente voltam ao pó, e assim o sopro de Deus era um empréstimo ao ser mortal.. Foi daí que surgiu a figura dos ossos secos em Ezequiel (cap.37), embora seja alusão clara também ao povo  ressequido de Israel. (Cf. também Os. 1,6). E também o livro do Êxodo, onde se fala no Deus que restaurou a vida seca do seu povo tirando-o do Egito. De qualquer maneira que busquemos ambientes e conceitos de ressurreição-restauração, houve sempre uma classe da elite dos judeus que nunca aceitaram qualquer tipo de ressurreição, os saduceus. Por dois motivos, o primeiro porque eles mesmos se consideravam os fiéis guardiões da tradição do inicio da Bíblia que não falava nada a respeito. Segundo, porque  pessoas que acreditavam que seu Deus iria criar um novo mundo, e aqueles que morrem em lealdade a ele durante o processo ressuscitariam para ter parte nele, teriam a probabilidade muito maior de perder o respeito pela aristocracia do que pessoas que acreditavam que esta vida, este mundo, são os únicos que existirão. Por outro lado, eles, que eram a aristocracia, liam o livro de Daniel e dos Macabeus como uma ameaça dos que queriam tirar-lhes o poder, como afirma Wright.  E por último, se olhassem para o conceito de ressurreição como “restauração”, isso não mexia nada com eles porque eles não precisavam de “restauração” nenhuma pois comiam no mesmo prato da aristocracia das nações opressoras e tinham os mesmos privilégios. E a “ressurreição” em Paulo quando fala que “iremos ao encontro do Senhor nos ares”? Não devemos nos deixar enganar pela metáfora de “subir” às nuvens, o que evoca Dn.7,13 que usa este texto para falar de vindicação ou vingança do povo da aliança após seu sofrimento. Ou seja, é uma maneira diferente de dizer o que Paulo já tinha dito em Gal.5,5 “o povo que pertence ao Deus único será vindicado”. Na sua linguagem metafórica ele fala também em “dormir e despertar” expressões empregadas para denotar  a transformação da vida que se produz em virtude da pregação do evangelho. Com esta metáfora Paulo reforça o ensinamento moral, e confere este ensinamento com a repetição da promessa sobre  o que Israel esperava: que a ressurreição-restauração que Israel ansiava já está em caminho em suas vidas por ação do Espirito Santo. Mais ainda, vejamos o ponto central: a lição de que a ressurreição de Jesus foi o cumprimento repentino e perturbador da história de Israel, inaugurando um novo e inesperado período da história, no qual os chamados pelo evangelho vivem como filhos do dia, esperando pelo amanhecer final (o.c.p. 320). A pista para tudo isto é que na morte e ressurreição de Jesus o Deus criador derrotou o poder da morte, de forma que a vida de seu novo mundo, a nova criação, o novo dia que amanhece já se antecipam nas vidas daqueles que foram conquistados pela palavra do evangelho e será completa na volta do Messias (id.id.)   Em tempo: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel? Era a questão dos discípulos que explodiu na “despedida oficial” que Lucas colocou no final do seu evangelho e inicio dos Atos dos Apóstolos, At.1,6. Não admira então que Jesus, não tendo correspondido a essas expectativas, tenha tido o desfecho da condenação, como quem diz, este não nos serve, temos que esperar um outro. E daí a confusão de quando ele falava que ia sofrer e ser entregue, com a resposta do evangelho: “Eles não entendiam nada, mas tinham medo de interrogá-lo” (Mc.9,32). Conclusão. Compreendemos agora o conceito platônico sobre imortalidade, conceito ontológico referente à natureza do indivíduo e o conceito histórico de ressurreição-restauração dos judeus que se baseava na história da Nação.

P.Casimio João             smbn

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segunda-feira, 28 de julho de 2025

A ALMA E AS ESTRELAS.


 

“Eu me tornei uma estrela da manhã entre os deuses”, dizia um epitáfio antigo. Sêneca dizia que a alma humana imortal veio de fora deste mundo, das estrelas, e fará seu caminho de volta para lá. Sendo assim ela ia reunir-se com os deuses. Para Platão, a alma humana é imortal, e, como imortal, é divina, porque divinos são os “imortais” que são os deuses. A morte se define em termos de separação entre alma e corpo, e alguns filósofos da corrente de Platão diziam que a alma, na sua separação, carregava o corpo com ela. Quando o imperador Otaviano foi assassinado, uma testemunha afirmava ter visto a alma do imperador subindo aos céus, e que ele não tinha sido assassinado porque sua divindade não podia ser extinguida. Como era explicada a origem da alma humana? “No princípio o Criador fez um número igual de almas igual ao número de estrelas, e tendo-as colocado ali como numa carruagem mostrou-lhes as leis do destino. As almas assim devem ser implantadas nos corpos humanos. A sua principal tarefa é governar os sentimentos e desejos do corpo. Depois do seu tempo de vida retornarão e habitarão junto à sua estrela gêmea, e lá terão a bem-aventurança e agradável existência”. ( em Aristófones: O Timeu de Platão, apud N.T.Wright, “A ressurreição do Senhor”, pag.107). Por isso, ninguém em sã consciência, uma vez libertados do corpo que é o cárcere da alma, iria querê-lo ou algo parecido de volta. Porque assim chamavam vida essa libertação, e morte à vida encarcerada no corpo. Não se deve portanto temer a morte, ela é o dia em que nascemos na eternidade e todos vão para a ilha das bem-aventuranças. Epicteto, nessa época, dizia que o nosso objetivo na vida é que se deve aprender a ser feliz, ou, ao menos, não infeliz. Na verdade, a alma libertada do corpo ia de volta para as estrelas e para os deuses. Ali os mortos irão ganhar uma vida bastante completa com Osíris, e como Osíris nos deleites da eternidade. E como muitos pensavam que, na separação do corpo a alma carregava também o corpo, para eles a cremação era inaceitável e uma coisa hedionda. A morte era uma saída à luz do dia. Falamos que a habitação da alma seria na estrela gêmea da qual tinha saído. Durante muito tempo houve um grande debate filosófico acerca de qual material exatamente era o das estrelas e da alma, mas havia o sentido geral de que não seria de coisas muito diferentes. Eram, por assim dizer, feitas umas para as outras. Por exemplo, muitos acreditavam que a alma era um tipo particularmente especial de matéria feito de uma substância ígnea, exatamente o que estava presente nas estrelas. Ficamos com a impressão de que estamos em termos de cristianismo. Mas esta era a teoria de Platão, no séc.V a.C. desenvolvida por seus discípulos como Sêneca, Aristóteles e Epicteto, entre os gregos; e por Cícero, Virgilio e Cipião entre os latinos. Platão fez uma reviravolta da teoria do Homero, sec.VIII a.C. que foi o pioneiro desta  filosofia, junto com seus discípulos Ésquilo e Sófocles. Por isso alguns autores têm Homero como o iniciador do A.T. do helenismo antigo, e Platão como o N.T. do mesmo mundo antigo helenístico. A mudança de Homero para Platão deu-se com o seguinte objetivo: Proporcionar aos jovens aprender a verdadeira concepção filosófica para amar a Pátria e a sociedade sobre a morte não ser algo lamentável, mas algo bem vindo, a vida aquirida na ilha das bem-aventuranças. É o meio pelo qual a alma imortal se liberta da prisão domiciliar do corpo em que viveu na terra. “Se o mundo antigo não judaico tinha uma Bíblia, seu antigo testamento era Homero, e Platão o novo testamento do mesmo mundo helenístico antigo”. (N.T.Wright, o.c.p.71). Dizemos isto porque no Antigo Testamento da Bíblia judaica também não se falava na ressurreição, justamente como Homero que viveu na mesma época de Moisés. Só começou a surgir a teoria da ressurreição num tipo de conceito platónico pelo ano 167 antes da vinda de Cristo e por circunstâncias históricas, na época dos Macabeus.

Conclusão. A busca da felicidade é uma constante da sabedoria humana. E antes que chegasse a teologia e as teologias surgiu a filosofia e as diversas filosofias. Assim, paralelamente a Moisés existiu um Homero, e paralelamente às preocupações de Daniel, o maior expoente da nova doutrina da ressurreição apareceu um Platão também quase contemporâneos, e  temos  influências tanto no conceito de alma como de ressurreição ainda hoje em dia tanto de Daniel como de Platão.

P.Casimiro João        smbn

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segunda-feira, 21 de julho de 2025

ATOS DOS APÓSTOLOS E PAULO ANALISADOS.


 

Noutra página falamos no tipo de epopeia em que parece estar redigido o livro dos Atos dos Apóstolos como está sendo assumido pelos estudos atuais. Vejamos: “Os relatos dos primeiros capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos não constituem fonte confiável para as origens das primeiras comunidades cristãs; Tendências lendárias e idealistas impregnam esses capítulos.” (Helmut Koester, Introdução ao Novo Testamento vol. II §8, p.102). Mais à frente fala que o livro trata os apóstolos Paulo e Pedro como são tratados os heróis da Ilíada e da Eneida, de Homero; o que leva a crer que o autor tinha em mente as epopeias de Homero onde se inspirou para a composição do Livro Atos dos Apóstolos. (o.c.&9,p.158). Falemos então sobre Paulo. Em primeiro lugar, há uma discrepância entre o livro dos Atos e as Cartas acerca da procedência de Paulo. Em Atos se diz que Paulo era cidadão romano. E nos fragmentos das Cartas aos Filipenses, 2Coríntios e Gálatas Paulo descendia de uma família israelita da tribo de Benjamin, circuncidado ao oitavo dia, e membro da seita dos fariseus (Fil.3,5); 2Cor.11,22; Gl.1,14; 2,15), o que nos tira do sério sobre a historicidade dos Atos como dissemos. Podemos enxergar vários exageros e absurdos sobre a valentia e braveza de Paulo no referente ao seu esforço persecutório narrado nos Atos. Vejamos o que nos dizem os estudiosos: “O relato do livro dos Atos diz mais do que é possível acreditar: a presença de Paulo na morte de Estêvão é excluída em Gl.1,22; É impensável que Paulo recebesse cartas dos sumos sacerdotes, pois nem os sumos sacerdotes nem o Sinédrio jamais tiveram esses poderes para fazer isso.” (o.c.§9,p.115). O que realmente começou acontecendo foi que os próprios judeus começaram a excluir os cristãos das suas Sinagogas mormente depois do congresso de Java no ano 70 d.C. Pois daí em diante eram considerados como uma seita ilegítima judaica, e por isso sujeitos à lei romana da perseguição pois eles tinham perdido os direitos que eram só dos judeus. E o que dizer sobre as narrativas de “vocações” com sabor e ao jeito do Antigo Testamento? Acontece também na narrativa da famosa “conversão de Paulo o mesmo jeito épico e lendário do Antigo Testamento. Os estudiosos dizem que o chamado de Paulo “é um escrito no estilo de lenda”, como as lendárias vocações proféticas. De quebra, é introduzida outra narrativa como um galho nos diálogos entre Paulo e Ananias, o que cria um ambiente mágico e fabuloso próprio do gênero épico de todo o livro, como outros episódios da soltura de Paulo do meio das correntes e das grades das prisões, equiparando assim os dois heróis de Atos com os heróis da Ilíada, Ulisses e Aquiles ou da Eneida, Eneias e Agamenon. Aliás, heróis que quebram correntes, somem e se tornam invisíveis e quebram colunas, que andam sobre ondas do mar, são comuns em poemas antigos, como os de Apolônio de Tiana, Ben Adab, e Sansão no poema do livro dos Juízes. Aqui os heróis são Pedro e Paulo. Vendo mais sobre Paulo: “Embora o livro dos Atos dedique um total de 7 capítulos à narrativa do julgamento de Paulo e à sua viagem a Roma, não existem dados historicamente confiáveis  sobre essa viagem e julgamento. O discurso ao povo depois da prisão (At.22), seu comparecimento diante do Sinédrio (At.22,30), e o seu julgamento diante de Festo e Agripa II, como o relato completo de naufrágios (At. Cap.22 e 23) são produtos da habilidade novelística de Lucas “ (o.c. §9, p.158). Também não há certezas sobre o fim da vida de Paulo. “O propósito da épica de Paulo é o seguinte: terminar a história que começou em Belém e Jerusalém, e terminar com a chegada vitoriosa do evangelho à capital do império, e daí conquistar o mundo.” (o.c.§9,p.158). Este é o objetivo da obra de Lucas em Atos e no evangelho, dois livros que primitivamente eram um só Livro. Originalmente Lucas escreveu um único livro, que compreendia Atos e Evangelho contando toda a história desde o anúncio do nascimento de João Batista até a chegada e pregação do apóstolo Paulo em Roma. E o que contribuiu para essa divisão em dois livros Atos e evangelho? Há uma razão no sentido de considerar Atos um romance em que histórias prazerosas de prodígios, maravilhas, e especialmente histórias de naufrágios, soltura de prisões e quebras de grades e correntes são apropriadas. Nos contos épicos do mundo greco-romano, especialmente de Eneida de Virgílio estes elementos são essenciais. Além do mais os críticos têm mais a acrescentar sobre o prólogo de Atos, que terá sido um grande acrescento feito entre os séculos II-IV” indo buscar elementos do Antigo Testamento. (o.c.§12,p.330).

Conclusão Encerro este resumo com as conclusões de H.Koester: “A obra de Lucas é uma epopeia da instituição da Igreja que substitui a epopeia de Israel, especificamente a história do êxodo do Egito por uma nova história que sela a separação de cristãos e judeus” (o.c.§12, p.332). Justamente com esta finalidade podem acontecer dúvidas, ou ser consideradas inverdades muitas narrativas hoje consideradas lendárias, segundo o gênero épico em questão. Na verdade, quanto a Paulo, “a tradição sobre sua chegada a Roma e o martírio sob Nero é lendária” (o.c. §10,p.176). A crítica moderna se inclina, como lugar mais provável para o martírio de Paulo em Filipos, segundo a análise das Cartas Pastorais, e confirmado por recentes escavações. (Id.158). Para a crítica moderna também é lendária a tradição da morte de Pedro em Roma, sendo o lugar mais provável na Síria. Para Eduard Arns, “os Atos dos Apóstolos são uma história em forma de novela”. (E.Arnes, “A Bíblia sem mitos”, p.231).

P.Casimiro João

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segunda-feira, 14 de julho de 2025

PRISÕES DOS APÓSTOLOS E PRISÃO E PÁSCOA DE JESUS.


 

As narrativas da prisão e a soltura de Pedro mostram ser paralelas com a saída de Jesus do túmulo É impossível que não haja uma intenção explicita de comparar uma coisa com a outra, dando ênfase à prisão como sendo o túmulo, e a saída como ressurreição. Em todas aparecem anjos, tremores de terra, correntes que caiem e portas que se abrem e grandes luzes. Aliás, outros paralelos aparecem na cura do paralítico no templo por Pedro, At. Cap.3 e o paralítico curado por Jesus “levanta-te e anda”, no capítulo cinco de João (Jo.5,8). Há ainda os paralelos das prisões de Paulo na narrativa de um grande tremor de terra que abriu as portas da prisão, e as correntes caíram de suas mãos (At.16,26). Aliás, os editores poderiam ainda apoiar-se naquele dito de Jesus “fareis coisas maiores do que estas” sobre os que viessem a acreditar em Jesus. (Jo.14,12). Para uma avaliação geral, é bom termos em conta o caráter épico dos Atos dos Apóstolos, como falei na página anterior onde citei um dos maiores estudiosos do Novo Testamento. Na verdade, Helmut Koester (Introdução ao Novo Testamento, vol.II, pag102 nos diz que os Atos dos Apóstolos têm um enredo do jeito dos épicos latinos, como a Ilíada de Homero, que lhe teria servido de modelo. Nos Atos, Lucas teria criado um ambiente mágico e fabuloso próprio do gênero épico de todo o livro, com os episódios da soltura de Paulo e de Pedro do meio das correntes e das grades da prisão, equiparando assim os dois heróis de Atos com os heróis da Iliada Ulisses e Aquiles, ou Eneias e Agamenon da Eneida. Aqui os heróis são Paulo e Pedro. Aliás, heróis que quebravam correntes, somem e se tornam invisíveis e quebram colunas, que andam sobre o mar, são comuns no imaginário antigo, como Apolônio de Tiana, Bem Adab, e Sansão, no poema dos Juizes. (Jz.16,23-30). Por outro lado, estas narrativas mostram a comparação com a prisão de Jesus no túmulo e a sua saída. Os estudiosos afirmam também que a vida e atividade de Jesus passava para os seus seguidores, manifestando-se neles. Por isso, fatos extraordinários como prisões, tremores de terra, correntes que caíam, e portas que se abriam eram comuns a Jesus e aos discípulos. Eram fatos reais? Não interessa, o que interessa é o objetivo catequético. (Cf. E.Schillebeekx. Jesus, a história de um Vivente, p. 382ss). Vejamos os seguintes paralelos, onde colocaremos os versículos referentes aos apóstolos nos Atos em itálico: Evangelho: “Era a preparação do sábado, e esse sábado era particularmente solene”(Jo.19,31) Atos dos Apóstolos sobre a prisão de Pedro: “Era dia dos pães ázimos” (At. 12,3). Evangelho: “Tendes um guarda, ide e guardai o túmulo como entendeis” (Mt.28,65). Atos: “Na prisão colocaram quatro grupos de soldados” (At.12,4). Evangelho: “Um anjo do Senhor desceu do céu, rolou a pedra e sentou-se sobre ela” (Mt.28,2). Atos: “Eis que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela” (At.12,7). Evangelho: “Houve um grande tremor de terra e um anjo do Senhor rolou a pedra do sepulcro”(Mc.16,4). Atos: “As correntes caíram-lhe das mãos”(At.12,7). Evangelho: “Os guardas pensaram que morreriam de pavor”Mt.28,4). Atos: “Passaram a 1ª e a 2ª guarda, e o portão de ferro abriu-se sozinho”(At.12,10). Evangelho: “As mulheres correram a dar a boa nova aos doze”(Mt.28,8). Atos: “A Igreja orava incessantemente a Deus por Pedro”(At.12,5).

Conclusão. Após este estudo comparado, será mais fácil olhar para o trabalho pessoal dos autores do Novo Testamento, que, no dizer do capitulo 16 da LG do Vaticano II são chamados de verdadeiros “autores, exercendo as suas capacidades humanas”.

P.Casimiro João      smbn

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