segunda-feira, 6 de outubro de 2025

VINHO E ÁGUA NO CASAMENTO DE CANÁ


 

Segundo o evangelho de João, cap. dois, num dia de casamento são colocados dois símbolos muito significativos: Seis grandes panelas de água, de 100 litros cada uma, e o vinho que acabou. Logo um observador atento  nota que a água era “para abluções dos judeus” (Jo.2,6). E a história que o vinho acabou é para focar no que vem a seguir sobre as panelas e a água. O Antigo Testamento baseava-se nas abluções e na observância da lei de Moisés. Era isto que representavam as panelas e a água. E desde logo o Novo Testamento irá se basear na obediência a Jesus Cristo. É o significado do vinho novo que “veio” da dita transformação da água. No fundo, vem sempre a questão: aceitar Moisés, ou aceitar Jesus? Aqui a teologia deste trecho fica paralela com o que Paulo afirma: “A lei de Moisés já era; agora é a cruz de Cristo pela qual eu estou morto para o mundo e o mundo para mim”, (Gl.6,14) e: “Cristo é o fim da lei, para justificar todo aquele que crê.” (Rom.10,4). No final da cena vem a intervenção da mãe de Jesus para fechar a situação com chave de ouro: Vão fazer tudo que Jesus disser, ou vão continuar fazendo tudo que Moisés disse?

Conclusão. Temos falado na resistência que o evangelho de João encontrou para ser incluído no cânon do Novo Testamento porque não fazia referências aos sacramentos. E foi só aceito porque um redator posterior postou as referências ao batismo com o episódio de Nicodemos de Jo.cap.3 e com as referências à eucaristia no capítulo seis. E no presente caso uma referência ao matrimônio. “O evangelista fez uma reflexão sobre Jesus Cristo como esposo da comunidade o qual oferece o vinho da alegria e da vida nova aos que participam de sua festa.” (Nilo Luza, em Liturgia Diária, 2025 p.78). Cf. também R.Brown, Comentário ao evangelho segundo João, vol.I p.305).

P.Casimiro João        smbn

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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

TEOLOGIA DA HISTÓRIA, ORIGEM DO CULTO AO IMPERADOR.


 

Podemos estabelecer a origem do culto ao imperador como um deus nos inícios do pensamento dos filósofos da antiga Grécia, com Platão, Xenofonte e Aristóteles. Eles afirmavam que os reis podiam reivindicar honras divinas, e que o exercício da realeza na terra correspondia à realeza de Deus no céu. Entre eles havia alguns mais sensatos para os quais “um rei podia receber honras divinas, mas a cidade pertencia aos cidadãos.” Enquanto que para outros o povo era propriedade do rei.” (H.Koester, Comentário do Novo Testamento vol.I,p.36). Quando o rei conquistava pela lança outros territórios, os territórios conquistados pertenciam como direito de propriedade ao rei. Os novos países eram ‘terras conquistadas pela lança’, sobre os quais o rei possuía direitos soberanos ilimitados. Os habitantes desses países eram simplesmente escravos. O mundo grego ou helenista assumiu esta filosofia, fato que passou posteriormente para as diversas partes do mundo onde, por exemplo os imperadores romanos seriam reverenciados como seres divinos, como César Augusto, Vespasiano, Nero e Domiciano. Para aprofundarmos mais a evolução desta ideologia temos que prestar atenção ao seguimento da História. A potência maior da época antiga antes do Egito, Mesopotâmia e Persa e Roma era a Grécia. Ela tinha colônias inclusive no Egito, na Mesopotâmia e na Pérsia. Conseguiu essa epopeia devido não só ao seu poder econômico e militar, mas sobretudo ao poder da sua sabedoria e sua capacidade organizativa. Os séculos XI e X a.C. renderam-lhe tributos e riquezas de outros Estados e colônias e foram a época de ouro da Grécia. Porém, com o tempo, esses Estados começaram também a se fortalecer e deixaram de enviar seus produtos e matérias primas para a Grécia, transformando-os por sua própria indústria e livre iniciativa. O resultado foi o começo do empobrecimento da Grécia que já não recebia as matérias primas de suas colônias, lá nos séculos VI e V a.C. Uma nação concorrente se fortaleceu: foi a Pérsia que desde tempos vinha concorrendo com a Grécia e que se tornou império concorrente. Foi nesta época que os filósofos foram os primeiros a apresentar a ideia de que somente um individuo com dons divinos seria capaz de restabelecer a paz, a ordem e a prosperidade da nação. A esse indivíduo davam o nome de messias. No caso da antiga Grécia, só um rei na qualidade de um filho de Deus, ou messias, podia levar a nação à antiga glória. Aí apareceu Alexandre Magno, o grego, que se prestou para conquistar de novo o mundo. Alexandre quando chegou ao Egito e o conquistou, o sacerdote egípcio o saudou diante do templo de Amon como “filho de Deus”. (o.c.§1.5b,p.37). De volta à Grécia, Alexandre Magno enviou uma carta a todas as cidades gregas para exigir ser adorado como deus. Então construiu os seus templos onde mandou colocar estátuas de seu pai Filipe II,  assim como dele mesmo e de sua esposa Olímpia e de seu filho. Os atenienses reverenciavam e tiveram estes “deuses” como deuses salvadores (o.c.§1,p.38). Por sua vez a rainha Berenice II, era chamada de “Isis”, “Mãe dos deuses”. Daí em diante Alexandre Magno conquistou a Ásia Menor, a Palestina, a Judeia, a Síria, o Líbano, o Egito, a Líbia, a Fenícia e Mesopotâmia, e a Babilônia. A principal cidade com o nome dele foi Alexandria. Nós veneramos os Santos como exemplos e de humanidade de virtudes cristãs. Já nem é tanta novidade assim, porque na Grécia antiga pessoas excelentes tinham honras de heróis depois da morte, como estamos vendo, sendo celebradas pelos poetas como seres quase divinos (o.c.p.36). Porém a aclamação e entronização como deuses eram reservadas aos reis e filhos de reis. Alguns destes  reis-deuses respeitavam o povo e seus súditos como “cidadãos”, porém, em relação aos outros povos conquistados eram deuses e senhores absolutos  enquanto as populações eram escravas. Eles governavam em linha vertical, i.é, como deuses e senhores da vontade da nação. Isto, além de ser regime da teocracia, ou poder de deuses, era poder de ditadura, onde a nação não tinha vez nem voz, onde o povo não tinha vez nem voz também. O rei era a lei. Era governo de linha vertical onde tudo descia de cima, dos deuses e das deusas que estão “lá em cima”. Porém, nos séculos 18 e 19 o mundo evoluiu para que os governos não governassem em linha vertical mas em linha horizontal, escutando a voz e as petições das nações. Era já o governo da democracia. Foi isto que falou uma vez o presidente do Brasil Luis Inácio da Silva Lula, na 5ª Conferência nacional dos Direitos da Pessoa Deficiente: ”Nós não queremos governar em linha vertical, com uma voz que vem só de cima, mas em linha horizontal, ouvindo a voz e as necessidades do povo com deficiência física”.(Canal Gov. 21/07/24).

Conclusão. Para terminar, notemos também uma espécie de paralelo entre a história da Grécia antiga e a história de Israel: Israel perdeu o seu período de ouro com os reis  Davi e Salomão nos séculos V-IV, e ficou suspirando sempre para que Deus mandasse outro período de ouro igual. Como na Grécia também eles queriam esse enviado “do alto” para a  volta das antigas glórias de Davi. Era essa a missão e o significado de  messias assim como Alexandre Magno tinha sido o messias da Grécia.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

FILOSOFAR A VIDA.


 

Tudo começou pela filosofia: a “alma”, o “céu”, o “inferno”, o “demônio”, o “pecado”, o “castigo”. Os primeiros pensadores começaram filosofando a vida. No século XIX a Igreja condenou as locomotivas, a iluminação a gás, as pontes suspensas e as vacinas porque “eram contra a vontade de Deus”, e porue os sábios pretendiam se colocar no lugar de Deus. Comecemos pela “alma”. Platão foi o primeiro filósofo que pensou no elemento ”alma”. A alma era uma chama que habitava no Olimpo, a morada dos deuses. Essa chama era uma substância imortal e eterna distinta do corpo, ela era o princípio da  vida e do conhecimento. Ela pertencia ao mundo das Ideias, ela é real e imutável, e se une ao corpo de forma temporária. A alma, em Platão, possuía três partes: a racional, a espiritual e apetitiva. Numa vida ideal, a parte racional tinha que governar as outras duas dimensões, a sensitiva e apetitiva. Alma era uma substância que existe independente do corpo, sendo este uma prisão temporária para a alma. A alma anima o corpo e é o princípio do conhecimento e do raciocínio da razão, e da busca pela verdade. A alma fazia este trabalho usando a cabeça do corpo; pela dimensão espiritual a alma fabricava as emoções, as paixões, a raiva e a coragem, usando o peito do corpo; a dimensão sensitiva ou concupiscente abrangia os desejos, os prazeres e os instintos usando o abdômen do corpo. Antes de se unir ao corpo a alma contemplava as ideias perfeitas no Mundo das Ideias. O esquecimento ocorria quando se unia ao corpo, mas depois, pela filosofia e o conhecimento recuperava essas ideias. Depois de Platão veio Aristóteles, para o qual a alma não é imortal nem separada do corpo, mas um princípio de vida que dá forma e função ao corpo, tornando-se sua essência. Aristóteles também destacou três funções na alma: a função vegetativa, a sensitiva e a função racional ou intelectiva. A função vegetativa e a sensitiva estão presentes em todos os seres vivos, plantas e animais, a intelectiva só nos humanos. Para Aristóteles a alma e o corpo são uma única coisa, inseparáveis e interdependentes. Seria assim, na metafísica de Aristóteles: a alma é a “forma”, do corpo; o corpo seria a “matéria” da alma. A alma nutritiva era responsável pela Nutrição, crescimento e reprodução; A alma sensitiva era responsável pela sensação de dor e da alegria; A alma racional tinha a função da razão, do intelecto e do raciocínio. As duas primeiras “almas” são comuns a todos os seres vivos, a racional só é própria dos humanos. Conclui-se daí que para Aristóteles a alma não era elemento sobrenatural, como para Platão, mas um princípio natural e essencial para a vida. Por sua vez Zoroastro, da Pérsia, que viveu muito anos antes, entre 1.500 e 1000 a.C. pensava a alma como essência imortal do indivíduo, e após a morte seria julgada com base nas boas ou más obras. As almas boas atravessavam uma ponte para o céu, enquanto que as outras caíam no inferno, ou casa das Mentiras. E lá também havia um lugar intermediário para as almas de ações equilibradas a que os cristãos depois chamaram de purgatório.  Porém, no final dos tempos viria um Messias que reuniria todas as almas, que, purificadas, entrariam num lugar de felicidade. Estamos vendo sobre a filosofia da ‘”alma” e do “céu”. Falemos agora sobre quando se começou a falar sobre sobre “demônio”. Esta palavra começou a ser falada entre os  gregos, era uma divindade menor. Era um deus menor chamado “daimon”, que servia de intermediário entre deuses e humanos, e que podia agir para o bem ou para o mal. No antigo livro de Enoque os demônios eram os filhos dos anjos que foram deixados na Terra depois do dilúvio para levar os homens a adorar os ídolos. No livro do Gênesis fala-se nesses filhos de deuses ou anjos que depois se uniram com as primeiras mulheres e produziram os gigantes,(Gn.cap.6). Finalmente, formou-se a lenda do Apocalipse da “luta de Lúcifer”; numa batalha celestial onde o arcanjo Miguel e os exércitos celestiais lutaram contra o Anjo da luz  ou Lúcifer que queria ser igual a Deus. Derrotado, é lançado na Terra. (Apoc. cap12). Por seu lado, os rabinos judeus ensinavam nos seus segredos  que Deus criou os demônios na tarde do sexto dia mas não teve tempo de dar-lhes um corpo, porque com o pôr do sol começava o descanso do sábado. Por isso eles ficaram vagando. E então entravam no corpo das pessoas e cada um tinha uma doença para adoecer os homens. (Prado, José Luis, biblista). Sobre os princípios da humanidade, muito se tem falado nos mitos do Enuma Elish, e Gilgamesh que foram em parte copiados para o Gênesis, mas agora apresento um mito dos povos africanos: "Deus criou muitos filhos dos homens no céu. Mas um dia apareceu uma criança deformada. Como os homens se revoltassem, foram nesse instante expulsos do céu. Aí Deus se apresentou na Terra em forma de peixe. Em seguida tomou a forma de homem e tornou-se seu companheiro. Ingrato, o homem insultou a Deus, e então Deus separou-se para sempre do homem. Quando os primeiros homens saíram do pântano do caniço, o chefe do pântano mandou um camaleão levar-lhes a seguinte mensagem: os homens morrerão, mas hão de ter outra vida. O camaleão pôs-se a caminho vagarosamente. Entretanto o chefe do pântano mudou de opinião e despachou o lagarto de cabeça azul para dizer aos homens: morrereis e apodrecereis debaixo da terra. O lagarto partiu imediatamente, e em breve ultrapassou o camaleão. Quando enfim chegou o cameleão com sua mensagem, os homens disseram-lhe: vens tarde demais, o animal da morte chegou primeiro” (Altuna, “Cultura tradicional africana, apud Vicente, José Armando “A salvação na RTA, Loyola, pag.145-146). Israel sempre quis ter Deus ao seu serviço. Isso traz consequências teológicas. Israel não gerou filosofias, apenas teologismos, e estes direcionados ao orgulho de sua nação, sobre o seguinte: que Deus tinha que estar a seu serviço para derrotar os inimigos, e um dia dominar todo mundo. Tal como o atual Donald Trump de hoje, que alguns historiadores dizem ser descendente de imigrantes de judeus da antiga Baviera alemã. Comparem com o comparsa dele, Natenyahu, de Israel. Porém, na Grécia nasceu a filosofia, que bota a cabeça e a razão para trabalhar e equilibrar a mente, a escrita e as ações. E a pouca filosofia que reinou entre Israel foi tardia, e copiada da Grécia, como o livro da Sabedoria de Ben Sirac, que releu toda a Bíblia sob o prisma da “Sabedoria”, uma filosofia eclética a partir da filosofia dos gregos. A Bíblia dos Judeus não se  interessava com “céu” nem com “inferno” como o zoroastrismo da Pérsia, mas estes conceitos vieram em dado momento tardio para a Bíblia do Novo Testamento, copiando da filosofia  de Zoroastro. Na verdade, para os judeus funcionava assim: Depois da morte havia outro estágio de vida, que chamavam “dormir”, aguardando a vinda final do Messias, como afinal também no zoroastrismo. Porém esse Messias não vinha tratar de  uma vida “no céu”, mas outra vida nesta Terra, vida feliz e libertada dos inimigos da Nação que agora aprontaria todas as vinganças contra todos seus inimigos. Não seria ressurreição como nós entendemos hoje mas uma vida feliz aqui na terra de “novos céus e nova terra”(Is.65,17, e Apoc,21,1). (Cf. N.T.Wright, a ressurrição do filho de Deus, pag.590-595). Isso consta do próprio evangelho quando Pedro perguntou a Jesus o que “eles”, os apóstolos iriam ganhar depois de deixarem tudo:  “Não há ninguém que tendo deixado tudo isso não receba já neste mundo 100 vezes mais em casas, irmãos, irmãs, filhos, terras, e no século vindouro a vida eterna ”(Mc.10,28).  E ainda, no momento da despedida de Jesus, na Ascesão, qual era a preocupação dos discípulos: “É agora que vais restaurar o reino de Israel?” (At.1,6). Podemos ainda conferir o pedido dos filhos de Zebedeu: “queremos o primeiro lugar,  um à tua direita e outro à tua esquerda na vinda do teu reino” (Mc.10,37). Finamente, quando entrou em voga o termo “ressurreição”? “Ressurreição era um símbolo imponente: de “pôr de ponta-cabeça a ordem presente e marcar o começo do reinado do “Messias”, ou seja o “reinado de Israel”. Este conceito vem em todas as entrelinhas do cap.3 do Êxodo, episódio da “sarça ardente”, em Ez. Cap.37, no sentido da “destruição do “(Jo.2,19), e em Isaías cap. 53-56, quando a exaltação do servo sofredor representa a exaltação de Israel. ("Cf. Wright, o.c.p. 595). Falamos em filosofar a vida. Neste capítulo demo-nos conta que a fé vem depois da filosofia. Os elementos que mais nos impressionam e ao mesmo tempo nos incomodam vieram todos da filosofia: ALMA, CÉU, PURGATÓRIO, PECADO, DEMÔNIO, PRIMEIROS ANTEPASSADOS E "SALVAÇÃO". Isto nos diz que o cristão deve botar mais a cabeça na organização da sua vida; Há uma coisa contraditória nisso aí, é aquela atitude dos povos que nos parecem mais religiosos, como Israel, e se mostram os mais egoístas, como o povo judeu, que sempre quiseram ter Deus ao seu serviço. E porque Jesus não se pôs ao seu serviço o eliminaram.

Conclusão. É preciso filosofar a vida; não só teologizar. Porque teologizar sem filosofar cai-se num espiritualismo vazio, e muitas vezes caricato, como aquele que a “iluminação a gás, as locomotivas e as pontes suspensas e as vacinas eram contra a vontade de Deus”, a teoria que condenava esses avanços científicos no séc.XIX. Isto nos diz que a teologia vem depois da filosofia e não o contrário, como aconteceu com Agostinho e Tomás de Aquino  que se seguraram em várias filosofias para fazer as suas teologias, e como acontece com os teólogos modernos.

P.Casimiro João         smbn

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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

EXALTAÇÃO DA “SANTA CRUZ”, O PORQUÊ.

É muito bonito fazer uma festa da “Exaltação da santa Cruz”. Mas é muito difícil considerar as cruzes que vão pelo mundo de guerras, de malvadezas e de hipocrisias, como em Gaza, Ucrânia, e as fomes que daí resultam. Em segundo lugar, nesta festa há dois motivos de política, um do mundo, outro da Igreja. O “mundo”, leia-se os “políticos” dizem; “o povo tem que sofrer para nós sobreviver”. A Igreja diz que o povo tem que sofrer para ir pro céu. E botam aí a vontade de Deus. E assim se formou a teologia do sofrimento, a vontade de Deus. Para os políticos é o dinheiro, para a Igreja é a vontade de Deus. Que Deus manda os sofrimentos, e quis o sofrimento de Jesus. Ora, nunca podemos dizer  isso, embora que tradicionalmente a Igreja  o falou e escreveu, até nas orações da liturgia, pelos motivos que dissemos acima. Se Jesus não sofresse seríamos salvos do mesmo modo, e os sofrimentos não vieram da vontade de Deus, mas dos homens. Logo de quebra, no Antigo Testamento fizeram o recurso às “serpentes do deserto” que “foram mandadas por Deus” para castigar o povo. É outra lenda, porque não é Deus que manda o sofrimento e nem mandou serpentes nenhumas. Sempre Deus no meio e sempre o sofrimento. Ora isso das serpentes era um conto pagão para o deus da saúde, Esculápio. E entrou no evangelho de João já mais tarde do original para uma lição do batismo para reforçar uma vida de cruz. Até porque, veja bem, se morrer um pobre cheio de sofrimentos, enterra-se em qualquer buraco. Se morrer um poderoso, vai até bispo no funeral para dizer que vai pro céu. Em vida, o pobre tem que sofrer para ir pro céu; na morte todos vão para o céu. Mesmo antigamente, quando se dizia que os maus não iam para o céu. Não deixa de ser irônico que já 1.500 anos antes de Cristo se dizia isso na religião de Zoroastro, que foi a primeira que falou de “céu”, “inferno” e “purgatório” que o purgatório iria acabar com a vinda de um messias que iria igualar todo mundo, e juntar todo mundo no reino da glória e felicidade. Então, para quê tanto sofrimento pregado? Quando o imperador Constantino concedeu liberdade ao cristianismo já se valeu da cruz com duas lendas inventadas:  numa dizia que tinha achado a cruz de Jesus na Jerusalém destruída depois de 300 anos; a outra que tinha visto no céu uns raios de luz em cruz. Aqui se valeu destas duas lendas para implementar o seu império que estava-se desmoronando: primeiro implementando o seu poder político pela cruz agradando aos cristãos, depois juntando os dois poderes, o poder político da cruz para o pobre e a teologia da Igreja para o sofrimento do povo. Deve ter vindo daí o célebre ditado que o mundo cristão esteve sempre entre a cruz e a espada.

Conclusão. Lemos nas linhas e entrelinhas dos escritores biblistas e teólogos de hoje que nos dizem que todo o Antigo Testamento é uma grande epopeia política. E que o novo é pelo menos três quartos. Situação que adéqua com este tema das “serpentes” venenosas e “teológicas” aportado para a festa da “exaltação da santa cruz”.

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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

VINHO NOVO EM VASILHAS NOVAS.


 Há quarenta anos atrás o escritor filósofo e teólogo Frei Beto cunhava uma frase que virou jargão internacional “Hoje não vivemos numa época de mudanças mas numa mudança de época”, publicada num artigo para o Jornal “O Globo” em 1984. Na verdade é quase assim como em 1789 quando começava outra mudança de época com a Revolução francesa em que se inaugurava a época do Iluminismo com John Locke; da Razão pura com Eamuel Kant; e da liberdade de consciência e de religião com Descartes. Em que se passava da assim chamada “Idade das trevas”, um apelido da Idade Média para a Idade do pensamento de Descartes. Imagine o mundo de hoje sem a TV, sem o celular, sem o avião, sem os robôs das montadoras de carros e aviões e todos nossos utensílios, sem o laser e todas as suas aplicações na medicina, nas cirurgias presenciais e à distância, e sem a IA, inteligência artificial que está fazendo os seus primeiros ensaios. Um dia o Mestre Jesus decidiu uma polêmica com os tradicionais fariseus e mestres da lei dizendo que não adéqua costurar um “remendo novo em roupa velha” (Lc.5,36), e nem botar “vinho novo em odres velhos, porque o vinho novo arrebenta os odres velhos” (5,37). Por outras palavras, o jargão de Frei Beto vai pelo mesmo caminho quando disse que “estamos numa verdadeira mudança de época”. No entanto há uma plêiade de cristãos e alguns que se têm por conceituados intelectuais dentro das fileiras das hierarquias da Igreja que, supomos, resistem em dar o passo para a “mudança de época”, ou de colocar o “vinho novo” da nova época em vasos novos. Dá-nos a impressão de que têm os pés no dia de hoje mas a cabeça nos dias da Idade Média, inclusive antes do concílio vaticano II. Esta dicotomia cria embates e conflitos. A Igreja atual está envolvida em levar a cabo o debate sinodal. Seria um grande esforço para a atualização da Igreja quanto à Família, à teologia, à Bíblia, à antropologia e à ciência. Se no Sínodo se resolverem cinquenta por cento dos embates e conflitos e resistências encontradas digamos pela velha guarda, seria já um resultado satisfatório. Na verdade, ainda estamos com as nossas homilias chovendo no molhado da idade de há 100 ou 200 anos atrás, em vez da atualização que seria exigida hoje, segundo o jargão do evangelho citado “vinho novo em vasilhas novas”. Eram dessa maneira as “homilias” de Jesus. E era dessa maneira que suscitava embates, resistências e conflitos com os seus opositores. Naquela época os opositores de Jesus eram os mais devotos e os mais “santos” da fé dos judeus. Os fariseus batiam no peito dizendo que eles eram os “santos de Israel”, e da fé e dos costumes judaicos. Não admira que hoje os mais “santos”, os “mais seguidores da tradição e das tradições e “da fé”, sejam também os que se opõem a botar o vinho novo em vasilhas novas. Ao mesmo tempo na fileiras eclesiásticas e nas fileiras do povo cristão isto existe.

Conclusão. Como nas Preces da Assembleia se reza: “Pela Igreja em seu caminhar de renovação sinodal, para que seja fortalecida pelo Espírito diante dos desafios que se apresentam em nossos dias”. A prece termina: “rezemos” (Cf. Liturgia Diária, Nov.2024, pag. 36).

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

FAMÍLIA, UMA REFELXÃO


 

Um homem fala pra sua mulher: “eu estou sempre contigo porque te amo. Mesmo que não existisse lei nenhuma eu sempre te amarei”.  Que alegria para aquela esposa. E vice-versa, a mulher falando pro seu esposo. O contrário: “eu não separo só porque é proibido, porque não te amo mais.”  Olha a tristeza! Aqui o exemplo de um casamento certo e de um errado. É destes que o último Sínodo dos bispos falou, em 2015. O tema da família é tão abrangente, que ela é o primeiro lugar onde aprendemos a “comunicar”. Ela é o lugar paradigmático onde a comunicação aparece como um diálogo que se tece com a linguagem do corpo, numa expressão feliz do Papa Francisco. Exultar pela alegria do encontro é o arquétipo e o símbolo de qualquer outra comunicação que aprendemos ainda antes de chegar ao mundo. O ventre que nos abriga é a primeira escola de comunicação feita de escuta e contato corporal. Onde começamos a familiarizar-nos com o mundo exterior. Depois de chegarmos ao mundo permanecemos num outro ventre que é a família; um ventre feito de pessoas diferentes inter-relacionando-se. A família é o espaço onde aprendemos a conviver na diferença. Na família recebemos as palavras que são o veiculo da comunicação dos nossos antepassados. Não nos inventamos, e nem inventamos as palavras: tudo recebemos, e nós, como numa corrente, aprendemos a passar adiante o fluido de palavras e comunicação que recebemos em família. Tudo quanto recebemos em família será enriquecido com a nossa experiência que iremos transmitindo por nossa vez. Aprendemos também a oração dos pais e avós, e exemplos de vida que nos passam. Também aqui a família se torna a dimensão religiosa da comunicação. O paradigma comunicativo da família se concretiza em vários canais e capacidades: na capacidade de abraçar, apoiar, acompanhar, decifrar olhares e silêncios, capacidade de rir e chorar juntos. E ainda na capacidade de “visitar” e sair da sua zona de conforto,  indo ter com o outro. É assim que a família leva conforto e esperança às famílias mais feridas. Também na família experimentamos limitações próprias e alheias. E nos damos conta que não existe família perfeita cem por cento. E não precisamos ter medo da imperfeição, da fragilidade, nem mesmo dos conflitos. Por isso aprendemos a enfrentá-los de modo construtivo. Aprendemos ainda que a família é uma comunicação que definha e se quebra como a teia de uma rede de tecido, mas é possível refazer os nós e fazê-la crescer, e ficar mais bonita que colcha de fuxico. Na família, como na rua, entram os meios de comunicação social. Eles são perigosos e são luminosos, segundo aquela afirmação de O.Murchu: “é da essência do futuro ser perigoso”. Aí nadamos num futuro belo e arriscado. Na família se aprende também a conviver com as tecnologias e não só se deixar arrastar por elas. Seja a família um ambiente onde se aprende a comunicar. Uma comunidade que sabe acompanhar: festejar, frutificar e narrar. Narrar significa compreender que nossas vidas estão entrelaçadas numa trama unitária; que as vozes são múltiplas, mas onde cada uma é insubstituível. É importante afinar o olho clínico no seguinte, segundo as palavras do Papa Francisco: “Aquilo que parece normal para um bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo para outro bispo de outro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado.  E o Sínodo terminava: “Significa que procuramos abrir os horizontes para superar toda a hermenêutica conspiradora ou perspectiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível. Significa também que espoliamos os corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas”. Isto ressoa como um apelo para que sejamos mais adultos e possamos avaliar mais a nossa responsabilidade. Como dizendo, você não é mais criança, seja adulto. Enfoca-se também a importância de defender o homem e não as ideias, defender o espírito e não a letra. “A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade  do amor de Deus e do seu perdão”. Outra constatação do Sínodo: “O primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus, chamar à conversão e conduzir à salvação do Senhor” (cf. Jo.12,44-50). É por isso que o Sínodo deixou ao discernimento e ao critério do pároco e dos bispos assuntos delicados como a comunhão dos recasados em segundas núpcias.

Conclusão. Nessas reflexões do sínodo houve muito senso na seguinte constatação de um olho clínico apurado: “A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade  do amor de Deus e do seu perdão”.

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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

DOBRAR O JOELHO, HISTÓRICO.


 

“ Por isso Deus  o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho de quantos há no céu, na terra e nos abismos e toda língua proclame para glória de Deus Pai que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil.2,9). Nas literaturas apocalípticas antigas, Henoc e Moisés eram narrados como mensageiros de Deus, e são elevados até junto de Deus e recebem o nome do próprio Deus: são chamados com o nome de “senhor”. Henoc recebeu até todos os setenta nomes de Deus, e lhe foi dado o império, o poder sobre todas as criaturas. E o nome de Moisés era ”senhor de todos os profetas” (Schilleebeeckx, Jesus, a história de um Vivente, Paulus, 2014,p.492). Como vemos, para os judeus antigos era aceitável esta atribuição do próprio nome de Deus e “senhor” aos seus mensageiros antigos e não contradizia o pensamento estritamente monoteísta deles. “O nome de Deus, “o Senhor”, o “nome colocado acima de todo nome” também foi colocado em Jesus, e atribuído a ele como mensageiro enviado por Deus, e depois devolve tudo aos pés de Deus” (o.c.p.492). Em Deuteronômio está escrita a teoria sobre o profeta escatológico dos últimos dias: “Javé, teu Deus, fará surgir dentre teus irmãos um profeta como eu em teu meio, e vocês o ouvirão” (Dt.18,15). Na tradição antiga, Deus colocou, ou carimbou seu próprio nome nos seus mensageiros. Por isso colocou e carimbou a pessoa de Jesus com seu próprio nome. Que a Jesus era atribuído o nome de profeta dos últimos dias do Livro de Deuteronômio atesta-o o evangelho quando ele é chamado de profeta: “Um grande profeta surgiu entre nós” (Lc.7,16) e: “um dos antigos profetas” (Lc.9,19). Em cima desta missão como “profeta dos últimos tempos” se aumentaram todos os outros títulos e atributos dados a Jesus, e foi nesse status que se firmaram as credenciais de Deus para que fosse proclamado “Senhor”, “Guia” e “Salvador”, e “Kyrios”, como missões que eram credenciadas da parte do Pai. E como diante de Deus se dobrará todo joelho, igualmente diante do seu mensageiro Jesus Cristo. “Diante de mim se dobrará todo joelho, e jurará toda a língua” (Is.45,23), que depois foi traduzido livremente por Paulo quando escreveu: “Está escrito, por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho e toda língua dará glória a Deus” (Rom.14,11). Esta citação de Isaías Paulo copiou-a e colocou num contexto do julgamento de todos por Cristo como juiz. Isto esclarece a missão do profeta escatológico dos últimos tempos que também vinha com a missão de juiz: “Por isso é que  morreu e retornou à vida, para ser o “senhor” tanto dos mortos como dos vivos. Porque julgas então o teu irmão? Todos temos que comparecer perante o tribunal de Deus. Está escrito, por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho e toda língua dará glória a Deus. Assim, pois, cada um de vós dará contas de si mesmo a Deus” (Rom.14,11-14). Nesta página tivemos ocasião de ver a origem da expressão “dobrar o joelho”, e seu histórico. Qual o significado de “dobrar o joelho”? É expressão figurada para render-se, submeter-se ou humilhar-se. Na religião cristã, dobrar o joelho ou ajoelhar-se é um gesto de súplica, respeito e adoração. Uma cortesia ou reverência que é um tradicional gesto de saudação na qual alguém dobra seu joelho, ou curva a fronte. O gesto é caracterizado como uma tradicional saudação de um inferior para um superior, mormente aos reis e rainhas. Também acompanhado com a mão que se leva à boca, que em latim se diz “ad oris”, isto é, levar à boca, donde veio a palavra “a-dorar”.

Cnclusão. Palavras geram atitudes e atitudes são sempre relativas e culturais. A palavra “adorar” afinal vem de um gesto e de uma atitude: o joelho e a mão e a boca. (o beijo).

P.Casimiro João     smbn

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